sábado, 30 de agosto de 2008

Agora que vamos para o octagésimo quarto concerto...

São 84.

É um número como outro qualquer, só que este implica que - por 84 vezes - tirámos os instrumentos da garagem e fomos, por aí, dar música a alguém. Se assumirmos que, em média, um concerto da King Of Spades dura 120 minutos, no próximo Sábado - entre o Telejornal e a primeira operação stop da PSP - teremos estado em palco um total de 7 dias.

Inteirinhos.

É pouco?

Há quem diga que foi rigorosamente nesse lapso de tempo que se fez um Mundo.

Inteirinho. Com dinossauros, operações stop da PSP, tempos de antena da Confraria das Orcas Nativas da Atlântida, Descobrimentos, Cobrimentos, Mentos. Até deu para fazer uma Mafalda Veiga. E tigres amestrados, importação ilegal de auto-rádios capazes de ler mp3 e - espantosamente - bandas de blues, várias.

Agora que vamos para o octagésimo quarto concerto, acho que vamos no bom caminho.

Mas tornaremos a falar disso lá para o hepta centésimo octagésimo nono...

domingo, 25 de novembro de 2007

Adeus Shure, Olá Rode....

Há coisas piores.

Já perdi a carteira, com os documentos todos, por mais de uma vez. Já perdi as chaves do carro, por duas vezes, sendo que uma delas estava em Castro Laboreiro a mais de muitos kilómetros de casa. Uma vez perdi a minha namorada da altura numa festa da faculdade e só a tornei a encontrar, anos depois, casada com um dos meus colegas de turma, que eu julgava casado com outra colega que acabei por encontrar - um pouco mais tarde - na mesma festa.

Há coisas piores, para um vocalista, do que perder um microfone. Há, mas são poucas...

Mas uma coisa é perder um companheiro fiel para o desconhecido. Perder de perder mesmo. Outra, totalmente diferente, é perder um microfone para a gravidade.

Leram bem. O microfone que fez uma boa parte dos concertos da King of Spades Blues Band - os mais de muitos até agora - deu-lhe um ataque de gravidade e caiu, com tripé e tudo, e esborrachou-se no chão, mesmo antes do início de um dos últimos concertos.

Não foi para sempre, quero crer. Este Shure Beta 58A não morreu. Está nos cuidados intensivos, nas mãos do competente Engº Boavida, que é que trata destes pacientes na banda.

Isso criou um problema.

Como é que substitui algo de tão específico, como o microfone da voz principal, numa banda com quase 100 concertos?

Será que o ideal é substituir por outro microfone igual, tentando preservar a identidade da voz (os mesmos graves, médios, agudos e feedbacks de sempre) ou é melhor inovar e fazer soar outro tipo de voz?

Pensei, mas só por um bocadinho. Até tenho outros microfones. Outros Beta, um AKG e mais alguns de outras marcas. Não seria expectável que, ao cabo de 20 anos a cantar por aí, não os tivesse, mais ou menos oxidados, mais ou menos esquecidos e empoeirados.

Mas achei que era altura de mudar. Tentar outra via.

Uma pesquisa rápida fez-me chegar rapidamente a um trio de candidatos. O Beta 87 do costume, o caro Neumman KMS 105 e o recém-chegado (ao mundo dos palcos) Rode S1.

Escolhi o Rode, por várias razões, sendo que a principal foi o risco. O risco de cantar, com a pressão sonora a que tenho habituado os ouvidos do nosso público e - especialmente - os meus companheiros de banda, com um microfone de condensador. O risco de o levar, a ele e ao condensador, para fora do estúdio e para os palcos, difíceis, onde habitualmente tocamos. O risco de o sujeitar a largas dezenas de concertos por ano, dentro de uma bolsinha de plástico, tendo por companhia tripés vários e outros objectos contundentes, perigosos para a sua frágil natura.

Dos testes que já fiz, portou-se lindamente.

Tive de reduzir o ganho nas mesas e levantar um pouco o volume (pois, ainda há quem cante a um palmo do microfone) para não rebentar com as colunas.

Para já vai fazer a rodagem para a friagem da Praça do Comércio (dia 23 de Dezembro) e para o Sem-Fim em Monsaraz (passagem de ano), com passagens obrigatórias pelo Saldanha Caffé (8 Dezembro) e Hips (15 de Dezembro).

Bem vindo Rode!


sábado, 21 de julho de 2007

A Mula sabe quem é a King of Spades...

Fosse vivo o Max e estaríamos a conversar de outra coisa.

A Mula de que falo não é - estritamente - a da Cooperativa, embora o conceito de cooperação não ande longe do conceito alargado de peer-to-peer.

É claro que esta mula não é mais do que o E-Mule, a mítica mula electrónica que tem levado, em grandes e quase infinitos alforges, música e outras coisas a todas as partes do mundo. Não deve ser uma mula pirata porque os piratas têm uma pala no olho e esta mula tem duas.

------- NOTA LEGAL -------
A King Of Spades Blues Band declara, para fazer fé perante as autoridades competentes, que não advoga a legalidade do conceito (nem a ilegalidade do mesmo, já agora). Sabemos que tais aplicações existem e não fazemos uso delas outro uso que o do trânsito de ficheiros pessoais de trabalho. Mai nada...

--- FIM DE NOTA LEGAL ---


Espantoso foi, ao fazer circular mais um ficheiro pessoal de trabalho entre os elementos da trupe e numa pesquisa inocente, descobrir que existem músicas nossas perdidas nos confins da Web. Hoochie Coochie Man, Dust My Broom (em estúdio) e a versão ao vivo do RoadHouse Blues, para além da maquete de 2006.

Pensava que eram só as bandas mais reputadas que viam as suas músicas "publicadas". Pelos vistos as coisas já chegaram às bandas que - não obstante serem de inatacável qualidade - ainda andam mais ou menos pelo anonimato.

A declaração oficial, para os nossos mais devotos fãs, sobre este tema é: Boa!

Sines - The long and winding road...

... o título é só para despistar: de Lisboa a Sines é sempre a direito e nem é longe.

A viagem faz-se bem, ainda que sem a bucólica paisagem de outros tempos, e um muito alentejanamente apropriado é já ali aplica-se sem discussões de maior.

Foi a nossa segunda visita musical à terra do navegador e - pela segunda vez - valeu bem a pena. Quase choveu, de tanta maresia, ficámos ensopados, à beira de um ataque de espirros e em estado pré-pneumónico.

Pouco importa. São poucas as estirpes de bacilos que resistem ao mais famoso dos antibióticos: sardinhas e vinho tinto [aposto que "sardinhas e vinho tinto", em latim, se parece com o nome científico de um antibiótico qualquer..].

Ao mesmo tempo são muito poucas as coisas que nos incomodam verdadeiramente quando somos bem recebidos. E fomos: pelo público, pela organização, pelos passantes, pelos turistas - mesmo os mais alheados do que se estava a passar - e pela população sineense em geral, mesmo os mais habituados a "essas coisas da música".

Não só pelo impacto do FMM, que decorre a partir de hoje, mas também pela multiplicidade de eventos musicais (e de eventos musicados) que organiza ao longo do ano, a capital do Litoral Alentejano começa a arriscar-se a ser nomeada "Capital da Música em Portugal".

Tivemos mais uma vez a honra e o prazer, por esta ordem, de fazer parte desse percurso.

Nem que fosse como cura da constipação diria que, o Doutor King recomenda que se repita amiúde a terapia: Sines, sempre, 3 vezes ao dia.

Ou apenas "sempre", sempre que for possível.

segunda-feira, 16 de julho de 2007

Blues é... (Parte 2)

... um monte de coisas diferentes. Aprecio a diversidade, dá-nos - de certa forma - legitimidade para tocarmos à nossa maneira.

Fiz uma breve pesquisa. Blues podem ser:


African blues ou Atlanta blues. Do outro lado do mar: British blues. Mais urbano, Chicago blues ou Detroit blues. Também há East Coast blues, Kansas City blues e os pantanosos Louisiana blues. Há os Memphis blues, New Orleans blues, Piedmont blues e St. Louis blues. Ainda há a variante Swamp blues que é - por mais razões do que é razoável enunciar - diferente do Lousiana blues. O Stevie Ray tocava Texas blues. Outros dedicaram-se aos West Coast blues.

Por fim, os que nós gostamos mais, os King Of Spades blues. Os nossos, que não são mais do que a nossa interpretação sobre todas estas formas de tocar blues.

E se, por mero acaso ou erro digital (sim, que os dedos também falham) os tocarmos mesmo muito mal, ainda nos sobra um género para nos desculparmos. Não é blues...


É Free Jazz...




segunda-feira, 2 de julho de 2007

No Hips é que é...

.. a nova segunda-casa da King Of Spades Blues Band está com noites cada vez mais quentes!

O último sábado, passado na fonte da cerveja da Visconde da Luz, foi antológico.

Começou, como quase todas as coisas gloriosas, mal. Mesmo muito mal.

Ainda a noite não tinha arrefecido dos primeiros calores e odores do Verão e já a hiper-mega-re-eficiente Policía Municipal tinha dado um ar de sua graça.

Um ar ou falta dele uma vez que, disseram, fazíamos - logo no check-sound - "barulho a mais".

Ficarão no nosso coração por nos terem forçado a fechar portas e janelas numa noite mais quente que muitos dias no Arizona.

Ainda assim, do príncipio ao fim, o fantástico público não esmoreceu uma única vez, apoiando nas cantorias na medida em que a natural - e necessária - hidratação ia decorrendo.

A noite foi ainda melhor porque descobrimos, ali - mesmo no meio do público entusiasta - um dos membros fundadores da mais antiga banda de blues portuguesa. Falo de João Esteves, da Go Graal Blues Band, que já andava por cá a ensinar o que são afinal os blues, nos longínquos anos 70.

É claro que o convidámos para tocar uma música connosco e o João, não sem certamente pensar se valia a pena alinhar com "aprendizes", aceitou - para nosso gáudio (e para desespero do Nuno, que ficou sem guitarra que lhe servisse, para contracenar com um dos mais respeitados guitarristas de blues da nossa praça).

Tocou-lhe o "The Sky Is Crying" e tocou-a muito bem e com mestria, como é natural.

Foi, em resumo, uma noite longa e inesquecível, em todos os aspectos. Para repetir, em podendo.

Nota: Por estarmos todos tão empenhados na música, esquecemo-nos de tirar fotografias desta noite tão memorável. Se alguem tiver fotos envie-as, por favor, para o nosso endereço de correio.

quinta-feira, 7 de junho de 2007

O verdadeiro Gangster Of Love - Em versão original...

Johnny Guitar Watson, muitos anos antes de se "passar" para o funky...

terça-feira, 5 de junho de 2007

Em 1914...

Definição - Blues

"Estado de depressão ou melancolia"...

Como disse?!

quinta-feira, 19 de abril de 2007

domingo, 15 de abril de 2007

2 anos é muito tempo...

.... para uma simples banda de blues!

Pois foi!

Começámos a 13 de Abril de 2005. Hoje, transcorridos dois anos, só temos boas memórias do tempo que passou.

Foram muitos concertos, uns mais bem conseguidos de que outros, muitos kilómetros de estrada e um ror de palcos. Milhares de pessoas já viram a King of Spades.

Outros tantos se lhes seguirão.

Começámos ontem o nosso terceiro ano de concertos, logo com uma estreia - no Café da Aldeia, na Póvoa da Galega - e com um concerto de antologia.

Esperam-se grandes sensações para 2007!

sábado, 3 de março de 2007

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

Começa hoje a "Out Of The Blues Tour - 2007"...

Nunca gostei de despedidas.

Este post também não trata desse tema, muito mais bluesy por natureza, do que os começos e os recomeços costumam ser. Felizmente.

Se o fosse - e ainda assim - seria sobre as despedidas a 2006 e à "The King Is Back On The Road Tour - 2006". Mas essa já lá vai, com quase 30 concertos em 6 meses. Seis bons meses, com boa gente e bons concertos (e concertos bonzinhos, pontilhados a boa gente na mesma).

Hoje começa 2007. As boas-vindas, ao contrário das despedidas, trazem coisas novas e - especialmente - dúvidas sobre o futuro. Trazem também muitas expectativas e planos para fazer coisas (quantas vezes adiadas para "já, amanhã") que nunca acederíamos a pensar em fazer num mês mais entrado. Um sensaborão Maio ou um tardio Outubro, por exemplo.

Num ano que acaba temos a certezinha - absoluta e indesmentível - das coisas que fizémos. Conseguimos contar, pelos dedos (todos os nossos e alguns emprestados), as vezes em que metemos a pata na poça, e as vezes em que obtivémos resultados notáveis, por pura sorte, acção do acaso ou desmaio da Providência. Sabemos como foi, onde foi, o que foi e catalogamos e arquivamos as nossas acções, para consulta futura, até ao limite da capacidade da nossa geralmente curta memória.

Num ano que começa só sabemos que temos de criar um novo dossier. Livre de papelame velho e amarelento, só com folhas em branco.

Hoje, à noute, ali para os lado das barrentas terras do Oeste, onde se juntam a gotejante Ribeira do Pinheiro de Loures e o escangalhado Rio de Loures, vamos escrever na primeira página do novo livro.

Chamámos-lhe, por pura preguiça de inventar algo melhor, "Out Of The Blues Tour - 2007".

Sei que me vão perseguir os curiosos, ano adentro, para indagar do sentido de tão inusitada expressão. Sei que não me vou lembrar, quase vez nenhuma, das verdadeiras razões que levaram à escolha. Sei-o como se fosse Dezembro.

A Tour 2007 arranca hoje, sem sopetões, e acaba lá para o finalzinho de Dezembro. E isso eu sei, com certeira certeza.

Como se - hoje - já fosse Dezembro.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

Blues é...

... não perceber nada do que se passa à nossa volta.

E perceber isso.

Imagens Inspiracionais #6

quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

2007 começa em Fevereiro...

... pelo menos para a King Of Spades Blues Band.

Depois da "The King is Back Tour - 2006" eis que chega, com honrarias e fanfarras a "Out of the Blues Tour - 2007".

Fizémos uma pausa retemperadora - que o frio aperta demasiadamente em Janeiro - e decidimos retomar em Fevereiro.

Há novidades, para os mais coscuvilheiros, e blues "novos" (novos para quem perdeu aquele período entre 1901 e 1960...) para os mais interessados nos assuntos musicais. A Tour 2007 começa já dia 2 de Fevereiro no Heritage, à noitinha, em Loures.

Até lá!

quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

sexta-feira, 5 de janeiro de 2007

Memórias de uma noite Sem Fim...

No princípio tudo parecia estar errado.

Era - afinal - uma passagem de ano. Sabemos por experiência própria que os blues, mesmo os mais animados, não conseguem escapar à tendência de puxar para baixo talvez por herança directa dos séculos do esclavagismo que estão na génese sociológica dos mesmos.

Assegurar os préstimos de uma banda de blues para animar um ravalhão (aportuguesamento do menos sedutor e pirosamente francófono reveillon) era - mais do que uma decisão arriscada - algo de estranho.

Depois, logo depois, o local: um vetusto engenho de azeite algures nas faldas das muralhas de Monsaraz, apertado entre os campos agora verdejantes e a imensidão azulácea do Alqueva.

De Lisboa ao Telheiro são pouco mais de 190km que não custaram nada a fazer para lá e, como constatei mais tarde, foram muito dificeis de fazer de volta.

Mas o ânimo típico da King Of Spades não esmorece, sejam quais forem as condições à partida. Quase 30 concertos nos últimos 6 meses de 2006 chegaram para comprová-lo e para nos prometer a tranquilidade que nos caracteriza sempre que não estamos em palco.

Não viajámos juntos mas chegámos quase ao mesmo tempo. Cedo, como é habitual, pouco depois das 3 da tarde. As premonições mais desastrosas pareciam confirmar-se: um palco onde cabia apenas a bateria, um chão de pedra e um telhado de madeira, fazendo juras de caos acústico. Um amplificador só com um canal operacional e a estranheza típica de quem chega pela primeira vez a um local onde ninguém nos conhece.

Interagir com as pessoas que nos esperavam foi mais uma vez estranho. Sem pressas nem pressões, parecendo minimizar todos os problemas típicos da montagem de mais de meia tonelada de material musical, e - especialmente - sem darem demasiada importância ao que vinhamos fazer e que para nós era, até aí, óbvio: dar um concerto. O alinhamento da noite não estava decidido, chegou a faltar a corrente e as coisas conjugavam-se para um desastre musical.

Os problemas acabaram nesse momento. Não havia pressas, nem necessidade de pressões, porque o concerto não era importante. Coisa que os quase 30 concertos nos últimos 6 meses de 2006 não chegaram para nos ensinar. A partir do momento em que começámos a falar, primeiro com a Arlinda, com o Tiago e com o Gil, e depois com toda a restante força (ênfase em "força") de intervenção do Sem Fim, descobrimos que não estávamos ali para tocar blues, nem animar a noite. Estávamos ali para aprender. Aprender da melhor e mais saborona maneira que há de aprender: com boa disposição, simpatia, alegria e com tudo o que de melhor tem a espécie humana.

Foram surpresas atrás de surpresas. Afinal o espaço era perfeito em termos acústicos, afinal havia mais duas fases no circuito eléctrico e - com alguma pontaria e muito (pouco) jeito - foi possível passar uma extensão para o palco através do travejamento do tecto. Nada nos foi exigido, nada foi redigido, nada foi imposto. Tudo fluiu com uma naturalidade pouco natural para o que estávamos habituados. Fluindo, simplesmente, fluindo. Estamos acostumados a resolver problemas técnicos e não só antes de (todos) os concertos, não estamos habituados a que eles se resolvam quase sozinhos só com boa vontade e uma preocupante falta de stress.

A certo momento o Gil sugeriu que encontrássemos espaço no concerto para "deixar uma moça, chamada Silvia, cantar uma canção ou duas". Fui apresentado à Sílvia. Estava na cozinha, de avental azul, a lavar uma montanha de pratos e - para quem parecia fadada à tarefa emanava uma estranha felicidade. Combinámos que cantaria antes de começar o concerto as canções que entendesse. Não sabia quem ela era - santa ignorância! - nem esperei que dali saísse nada de especial - estúpida arrogância própria da alma de artista!.


A vida faz-me por vezes lembrar a minha professora da 4ª Classe. Sempre que eu julgava que dominava a ciência de decorar os nomes dos rios ou das cadeias montanhosas, das linhas férreas ou das capitais de distrito, ela encontrava sempre maneira de demonstrar que me tinha esquecido da mais importante de todas.

As horas correram sem atropelos e notei que a tranquilidade habitual da banda antes dos concertos se tinha transformado numa inabitual feliz tranquilidade. Não estávamos, como de costume, a discutir volumes de amplificadores nem afinações de peles de bateria. Parecia que estávamos ali como alegres foliões, a contar os minutos, para a passagem de ano. Entretanto, chegou e finou-se uma inesquecível sopa de tomate.

A Silvia trocou o avental azul por um xaile translúcido, ponteado a estrelinhas brilhantes, ajeitou a cadeira, pegou na guitarra e acertou o microfone. Antes disse-me que era a primeira vez que iria cantar e tocar ao mesmo tempo. Fui ajudando no que podia cá em baixo, com o Nuno na mesa a acertar volumes.

A Silvia começou a cantar e o que se passou a seguir foi uma lição de vida. De repente todo o ruído das mesas pareceu submeter-se ao que se estava a passar no palco. A rapariga que horas atrás lavava pratos com uma radiosa felicidade, cantava e tocava agora com a mesmíssima predisposição.

A Sílvia era afinal a Sílvia Perez Cruz, mas - apesar da sua juventude - não deixou em momento algum que o peso do seu curriculum esmagasse os desastrados e desajeitados músicos que, embasbacados e boquiabertos, assistiam a um dos melhores concertos das suas vidas. Tanto talento e personalidade numa "embalagem" tão desinteressadamente simples.

Lembrei-me dos jeitos e trejeitos dos artistas famosos que conheço melhor e que passaram a sofrer com a comparação.

O nosso concerto, depois de tudo isto, não foi relevante. Foi muito menos do que o Sem Fim e os seus responsáveis mereciam, e muito mais foi o que recebemos em troca.


Ficámos para o dia seguinte, sempre tratados como se fossemos "da casa" desde sempre. Ainda hoje tenho essa sensação. Sinto que tenho uma casa "para voltar" ali algures nas faldas das muralhas de Monsaraz, apertado entre os campos e a vastidão do Alqueva, onde estão algumas das melhores pessoas do Mundo.


A estrada de volta para Lisboa foi difícil. Cheguei a acreditar que não havia estrada. Parecia que uma parte do Alqueva teimava em querer toldar-me a visão...

20 anos de palcos e, como diria a minha professora da 4ª Classe, faltava-me o mais importante, o único que não tem fim. Foi o nosso primeiro concerto que, sendo ternamente memorável, foi musicalmente irrelevante. O improvável concerto do Sem Fim - para nós - ainda não acabou.

Duvido que algum dia acabe.

Bem hajam!

quinta-feira, 2 de novembro de 2006

Imagens Inspiracionais #4

Blues é...

... acordar com uma improvável dor de cabeça, empurrar o carro - à chuva - porque ficou sem bateria, não ter lugar para estacionar e dar 20 voltas ao quarteirão, ir trabalhar mal disposto, com colegas mal dispostos e um chefe muito mal disposto, empurrar novamente o carro - que continua sem bateria mas que foi multado por mau estacionamento, passar duas horas parado numa fila, à chuva, com o leitor de CDs avariado.

Blues é chegar a casa, depois de tudo isto, e escrever uma canção de amor.

sexta-feira, 6 de outubro de 2006

segunda-feira, 2 de outubro de 2006

A King Of Spades no Saloon!

Montijo, 30 de Setembro de 2006.

Relatório do Gabinete do Sheriff de Montijo City

Pelas 23:50 deste dia a cidade do Montijo apresenta um trânsito de diligências anormalmente baixo para a época. O gabinete do telegrafista, o barbeiro e o ferreiro têm as portas fechadas. No motel resta apenas o recepcionista meio adormecido e nem os cavalos - amarrados na cavalariça - parecem resfolegar como de costume.

Este gabinete enviou pelas 23:30 um delegado ao único local onde parece haver animação: O Wild West Saloon, bem no meio da cidade. O delegado não voltou.

Eu próprio tomei a decisão de, depois de carregar as carabinas e municiar as pistolas, ir verificar o espaço.

Era afinal mais um concerto da King Of Spades Blues Band, e retornei para escrever este relatório rapidamente. É que tenho de voltar para lá.

Rapidamente.

O relatório até é do século errado. Estamos em 2006, mas podia muito bem ter sido assim.

Mas não foi. Foi bem melhor.

Grande Concerto!

A King Of Spades em Sines


No dia 29 de Setembro, corria uma brisa que cabriolava com as pedras da muralha do Castelo de Sines.

Integrámos a colecção de Outono no que foi, para nós, um concerto memorável!

Salvé Sines!

Blueseologia - Tomo III - Hoochie Coochie Man

Não existe uma explicação ou definição única para o termo "Hoochie Coochie".

Como em todas as outras ciências ocultas, nos Blues não há certezas. Sabemos que "hooch" é calão para "bebida ilícita" ou ilicitamente obtida ou fabricada. "Coochie" - diz-se em algumas partes da Bluesiana - refere-se aos genitais femininos.

Desta forma, o "Hoochie Coochie Man" seria um homem que se teria muito sucesso com as mulheres, bebendo alarvemente.

Há no entanto quem perfilhe a ideia que "Hoochie Coochie" é um termo único, indivisível, que se refere à genitália feminina, e sendo assim, o "Hoochie Coochie Man" é o amante da mulher e "Doing the hoochie coochie" é a prática do acto.

No meio da confusão de definições sobra a certeza de que, como quase todas as expressões idiomáticas dos Blues, esta também tem conotação sexual.

domingo, 24 de setembro de 2006

quinta-feira, 7 de setembro de 2006

The Dark Side of... Johnny Be Goode

Título: Johnny Be Goode
Autor: Chuck Berry - n. St.Louis, Missouri, 1926
Data de Lançamento: 1959


"It's a Blues riff in B, watch me for the changes, and try to keep up..."
- Dizia para a banda de Marvin Berry o protagonista do filme de 1985 "Regresso Ao Futuro" quando tocou pela primeira vez, para um público atónito, esta canção.

Poucos se atreveriam a dizer que o Johnny da história era o próprio Chuck Berry.

Mas é. E esta é uma canção autobiográfica.

É claro que alguns versos da letra não correspondem à história de vida de Chuck Berry. Nasceu em St.Louis e não na Lousiana e - ao que consta - sabia ler e escrever muito bem. Berry também sabia que, se queria vender a sua canção, não podia manter o verso "that little coloured boy can play". Surgiu um muito menos rácico "that little country boy can play".

O título da canção é uma composição da alcunha do próprio Chuck Berry: Johnny, como lhe chamavam os amigos e o nome da rua onde este morava em St.Louis - Goode Street.

É uma excelente canção, um cruzamento perfeito entre os blues mais modernos e as origens do rock & roll.

É uma das 27 canções que representam a Humanidade no espaço. Vai, desde 1977, a bordo da Voyager, à procura de um planeta qualquer com uma festa para animar.

The Dark Side... of The Blues.

Esta é mais uma das rubricas que, de hoje em diante, marcará presença no nosso blog.

Grande parte das músicas que compõem o nosso repertório foram escritas há muito tempo. O tempo, como sabemos, é o pior inimigo da memória.

Sendo que, os blues e os seus derivados são formas musicais de humilde berço, afastados por natureza da cobertura dos grandes meios de comunicação e do interesse dos cronistas, pouco se sabe realmente sobre as razões que levaram à sua composição.

Como se cada música - que cada um entende à sua maneira, tivesse um lado negro, obscuro e desconhecido, que conta a verdadeira história de cada canção.

See the light...

quarta-feira, 6 de setembro de 2006

Imagens Inspiracionais #1

Imagens Inspiracionais

Os blues são 99% sentimento e 1% de outras coisas, já sabíamos.

Esse ponto percentual é composto por palavras, estados de espírito e imagens, entre outras coisas, mais ou menos indizíveis. Como os estados de espírito serão dificilmente traduzíveis em palavras, restam-nos as imagens para legendar os blues. Esta rubrica, agora inaugurada, dedica-se exclusivamente a esta tarefa.

terça-feira, 5 de setembro de 2006

A King Of Spades no Avante! 2006



Foi um excelente concerto! Como sempre, a generosidade dos blues encontraram a boa-vontade do público e fizeram mais um momento único.

King Of Spades - O Site

Na imensidão da Internet é fácil, sem mapas adequados e bússolas certeiras, andar à deriva.

A King Of Spades Blues Band é uma embarcação com rotas bem cartografadas. Para além deste Blog - onde interagimos - temos ainda um outro porto seguro, o nosso website, onde comunicamos.

Merece o desvio.

Blueseologia - Tomo II - Shimmy

"Walkin up the street you can hear the sound
Of some bad honky tonkers really laying it down
you seen it all for years you got nothin to loose
so get out on the floor shimmy 'til you shak-em loose


Well The house is a rockin don't bother knockin
Well The house is a rockin don't bother knockin
Well the house is a rockin don't bother come on in
"

The House Is a Rockin' - Stevie Ray Vaughan

Para os entendidos o shimmy é uma dança afro-americana cuja origem estimada remonta a 1880. Consiste em abanar freneticamente os ombros - e todos o corpo - num movimento que é considerado por muitos estudiosos-da-coisa como uma herança tribal.

segunda-feira, 4 de setembro de 2006

Blueseologia - Tomo I - Tin Pan Alley

É simples. "Tin" quer dizer lata, "Pan" é panela e "Alley" é beco. Beco das Panelas de Lata.

Apertada entre a 5ª e a 6ª Avenida, em Nova Iorque, fica a 28th Street ou, para os musicólogos mais atentos, a Tin Pan Alley.

No início do século XX, por efeito de arrastamento ou pura disponibilidade de espaço, juntaram-se neste espaço a maioria das editoras de música americana. A alcunha foi grangeada à custa da amalgama dos sons dos inúmeros pianos que soavam - dia fora - em audições e ensaios. O jornalista do "Herald", Monroe Rosenfeld, escreveu num dos seus editoriais de 1903 que, da rua ecoava um som que se assemelhava ao bater de milhares de panelas de lata.

Assim nasceu a Tin Pan Alley.

Blueseologia - Tomo I - Introdução Ao Volume

A música é uma companhia, uma companheira e - sem espantos hiperbolizados - uma forma de aprender. De forma contínua.

Os Blues são espantosamente (ou não) uma das mais intrincadas teias de saberes que podemos saborear. Tipicamente um blues clássico é cantado em inglês mas, nem os mais fluentes falantes da língua mater de Churchill, ou melhor, de George Washington saberão interpretar correctamente tudo o que uma letra de um qualquer blues quer - realmente - dizer.

Como se, de dentro de uma língua, surgisse uma outra linguagem, um linguajar próprio tão indecifrável para os entorpecidos neurónios que tratam destas coisas da interpretação linguística, como o dialecto antigo do Bairro Alto Antigo ou o trato informal dos móinas do Cais do Sodré .

Decidi, como se tivesse dedicado longos pensares à questão, fazer uma lista de termos que ajudem à compreensão do incompreensível; os dizeres mais vezeiros dos blues mais clássicos.

Vamos criando, com tempo e paciência, um diccionário de Blues.

Post Inaugural do weBlog da King Of Spades Blues Band...

No princípio era o verbo.

Depois as pessoas fartaram-se de ler sempre a mesma palavra e inventaram a música. A King Of Spades Blues Band não é mais do que a evolução, natural e inevitável, dessa inusitada invenção.

Dedicamo-nos, para já, aos blues porque a conjugação, cosmicamente ordenada, das vontades e dos percursos dos elementos da banda assim o ditou.

Os blues são música de raízes, progenitora de muitos outros estilos que lhe são simultaneamente descendentes longínquos e contemporâneos próximos.

Os blues têm essa magia; carregados de sentidos e sentires, de voodoo de importação africana e dos ritmos dos pântanos mais mississipianos, conseguem ser "clássicos" e "modernos" ao mesmo tempo.

É difícil - impossível, dirão alguns - definir as fronteiras dos blues. Onde é que determinada música passa a ser blues e outra deixa de o ser. Nós também não conhecemos essa parte da geografia da coisa. Simplificámos o processo: se tem soul, pode ser blues. Se é blues, está - seguramente - carregado de soul.

Alma e sentimento são palavras comuns a outros géneros musicais. O nosso fado, por exemplo. Partilha com os blues a sua pouco burguesa origem e a sua autenticidade. Não se pode fingir um fado, não há como fingir um blues.

Tocar blues é por isso tarefa àrdua.

Mas é largamente compensadora.