sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

Blues é...

... não perceber nada do que se passa à nossa volta.

E perceber isso.

Imagens Inspiracionais #6

quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

2007 começa em Fevereiro...

... pelo menos para a King Of Spades Blues Band.

Depois da "The King is Back Tour - 2006" eis que chega, com honrarias e fanfarras a "Out of the Blues Tour - 2007".

Fizémos uma pausa retemperadora - que o frio aperta demasiadamente em Janeiro - e decidimos retomar em Fevereiro.

Há novidades, para os mais coscuvilheiros, e blues "novos" (novos para quem perdeu aquele período entre 1901 e 1960...) para os mais interessados nos assuntos musicais. A Tour 2007 começa já dia 2 de Fevereiro no Heritage, à noitinha, em Loures.

Até lá!

quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

sexta-feira, 5 de janeiro de 2007

Memórias de uma noite Sem Fim...

No princípio tudo parecia estar errado.

Era - afinal - uma passagem de ano. Sabemos por experiência própria que os blues, mesmo os mais animados, não conseguem escapar à tendência de puxar para baixo talvez por herança directa dos séculos do esclavagismo que estão na génese sociológica dos mesmos.

Assegurar os préstimos de uma banda de blues para animar um ravalhão (aportuguesamento do menos sedutor e pirosamente francófono reveillon) era - mais do que uma decisão arriscada - algo de estranho.

Depois, logo depois, o local: um vetusto engenho de azeite algures nas faldas das muralhas de Monsaraz, apertado entre os campos agora verdejantes e a imensidão azulácea do Alqueva.

De Lisboa ao Telheiro são pouco mais de 190km que não custaram nada a fazer para lá e, como constatei mais tarde, foram muito dificeis de fazer de volta.

Mas o ânimo típico da King Of Spades não esmorece, sejam quais forem as condições à partida. Quase 30 concertos nos últimos 6 meses de 2006 chegaram para comprová-lo e para nos prometer a tranquilidade que nos caracteriza sempre que não estamos em palco.

Não viajámos juntos mas chegámos quase ao mesmo tempo. Cedo, como é habitual, pouco depois das 3 da tarde. As premonições mais desastrosas pareciam confirmar-se: um palco onde cabia apenas a bateria, um chão de pedra e um telhado de madeira, fazendo juras de caos acústico. Um amplificador só com um canal operacional e a estranheza típica de quem chega pela primeira vez a um local onde ninguém nos conhece.

Interagir com as pessoas que nos esperavam foi mais uma vez estranho. Sem pressas nem pressões, parecendo minimizar todos os problemas típicos da montagem de mais de meia tonelada de material musical, e - especialmente - sem darem demasiada importância ao que vinhamos fazer e que para nós era, até aí, óbvio: dar um concerto. O alinhamento da noite não estava decidido, chegou a faltar a corrente e as coisas conjugavam-se para um desastre musical.

Os problemas acabaram nesse momento. Não havia pressas, nem necessidade de pressões, porque o concerto não era importante. Coisa que os quase 30 concertos nos últimos 6 meses de 2006 não chegaram para nos ensinar. A partir do momento em que começámos a falar, primeiro com a Arlinda, com o Tiago e com o Gil, e depois com toda a restante força (ênfase em "força") de intervenção do Sem Fim, descobrimos que não estávamos ali para tocar blues, nem animar a noite. Estávamos ali para aprender. Aprender da melhor e mais saborona maneira que há de aprender: com boa disposição, simpatia, alegria e com tudo o que de melhor tem a espécie humana.

Foram surpresas atrás de surpresas. Afinal o espaço era perfeito em termos acústicos, afinal havia mais duas fases no circuito eléctrico e - com alguma pontaria e muito (pouco) jeito - foi possível passar uma extensão para o palco através do travejamento do tecto. Nada nos foi exigido, nada foi redigido, nada foi imposto. Tudo fluiu com uma naturalidade pouco natural para o que estávamos habituados. Fluindo, simplesmente, fluindo. Estamos acostumados a resolver problemas técnicos e não só antes de (todos) os concertos, não estamos habituados a que eles se resolvam quase sozinhos só com boa vontade e uma preocupante falta de stress.

A certo momento o Gil sugeriu que encontrássemos espaço no concerto para "deixar uma moça, chamada Silvia, cantar uma canção ou duas". Fui apresentado à Sílvia. Estava na cozinha, de avental azul, a lavar uma montanha de pratos e - para quem parecia fadada à tarefa emanava uma estranha felicidade. Combinámos que cantaria antes de começar o concerto as canções que entendesse. Não sabia quem ela era - santa ignorância! - nem esperei que dali saísse nada de especial - estúpida arrogância própria da alma de artista!.


A vida faz-me por vezes lembrar a minha professora da 4ª Classe. Sempre que eu julgava que dominava a ciência de decorar os nomes dos rios ou das cadeias montanhosas, das linhas férreas ou das capitais de distrito, ela encontrava sempre maneira de demonstrar que me tinha esquecido da mais importante de todas.

As horas correram sem atropelos e notei que a tranquilidade habitual da banda antes dos concertos se tinha transformado numa inabitual feliz tranquilidade. Não estávamos, como de costume, a discutir volumes de amplificadores nem afinações de peles de bateria. Parecia que estávamos ali como alegres foliões, a contar os minutos, para a passagem de ano. Entretanto, chegou e finou-se uma inesquecível sopa de tomate.

A Silvia trocou o avental azul por um xaile translúcido, ponteado a estrelinhas brilhantes, ajeitou a cadeira, pegou na guitarra e acertou o microfone. Antes disse-me que era a primeira vez que iria cantar e tocar ao mesmo tempo. Fui ajudando no que podia cá em baixo, com o Nuno na mesa a acertar volumes.

A Silvia começou a cantar e o que se passou a seguir foi uma lição de vida. De repente todo o ruído das mesas pareceu submeter-se ao que se estava a passar no palco. A rapariga que horas atrás lavava pratos com uma radiosa felicidade, cantava e tocava agora com a mesmíssima predisposição.

A Sílvia era afinal a Sílvia Perez Cruz, mas - apesar da sua juventude - não deixou em momento algum que o peso do seu curriculum esmagasse os desastrados e desajeitados músicos que, embasbacados e boquiabertos, assistiam a um dos melhores concertos das suas vidas. Tanto talento e personalidade numa "embalagem" tão desinteressadamente simples.

Lembrei-me dos jeitos e trejeitos dos artistas famosos que conheço melhor e que passaram a sofrer com a comparação.

O nosso concerto, depois de tudo isto, não foi relevante. Foi muito menos do que o Sem Fim e os seus responsáveis mereciam, e muito mais foi o que recebemos em troca.


Ficámos para o dia seguinte, sempre tratados como se fossemos "da casa" desde sempre. Ainda hoje tenho essa sensação. Sinto que tenho uma casa "para voltar" ali algures nas faldas das muralhas de Monsaraz, apertado entre os campos e a vastidão do Alqueva, onde estão algumas das melhores pessoas do Mundo.


A estrada de volta para Lisboa foi difícil. Cheguei a acreditar que não havia estrada. Parecia que uma parte do Alqueva teimava em querer toldar-me a visão...

20 anos de palcos e, como diria a minha professora da 4ª Classe, faltava-me o mais importante, o único que não tem fim. Foi o nosso primeiro concerto que, sendo ternamente memorável, foi musicalmente irrelevante. O improvável concerto do Sem Fim - para nós - ainda não acabou.

Duvido que algum dia acabe.

Bem hajam!